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Resenha Prática - Frédéric Bastiat e as leis inconstitucionais no Município de Vitória

Resenha Case Prático - Por Lívia Dalla, Associada III do Instituto Líderes do Amanhã


“O problema das leis inconstitucionais é que elas parecem legais. Legal no sentido de bom, não no sentido jurídico, de legalidade” – foi uma frase que ouvi de um dos primeiros professores constitucionais que tive.


Nada obstante a familiaridade com a teoria, somente mais tarde, no contato diário com leis inconstitucionais, é que fui entender o que isso queria realmente dizer na prática.


A Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, por exemplo, por meio dos Deputados Estaduais, editou uma lei que proibia que os bares e restaurantes expusessem recipientes ou sachês de sal em suas mesas e balcões sob pena de multa.


Na justificativa, o fato divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de que o brasileiro consome cerca de 12 gramas de sal por dia, quando o recomendado seria a metade disso. O excesso de cloreto de sódio é um dos violões da boa saúde e a hipertensão é uma das doenças causadas por esse consumo excessivo.


O Estado se preocupando com a saúde do cidadão. Legal, não? Pois é, essa medida, aparentemente elogiável à primeira vista, é inconstitucional, por se tratar de intromissão indevida do Estado na atividade econômica privada. E mais, viola as escolhas do próprio cidadão em sua vida privada.


No município de Vitória, atuei nesses dois últimos anos como assessora técnica da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Vitória (CMV), e pude ver, de perto, várias leis que parecem legais, mas são inconstitucionais.


E vou além: pude ver, na prática, o que Fréderic Bastiat quis dizer e alertar quando, em 1848, escreveu sua obra “O que se vê e o que não se vê”.


Na obra, Frédéric Bastiat, economista, escritor e jornalista, demonstra que toda decisão gera consequências de segunda ordem, indiretas, que não são visíveis imediatamente, mas que devem ser levadas em conta para uma tomada de decisão mais qualificada por parte do legislador e Administrador Público – não só, eis que tais fenômenos se repetem na vida privada, mas especialmente no âmbito público, devem ser consideradas.


Com isso, quer-se dizer que não apenas os efeitos de curto prazo de determinadas decisões (“o que se vê”) devem ser levados em conta, mas também os efeitos colaterais, os impactos gerados no longo prazo (“o que não se vê”) e que, muitas vezes, produzem consequências diametralmente opostas às consequências imediatamente buscadas com a medida.


A partir da metáfora da “Janela Quebrada”, o autor demonstra que, quando uma criança quebra a janela de sua casa, muitas vezes, o que se vê é o mercado sendo movimentado com o consumo de uma janela extra – de modo que o incidente, de forma direta, gera emprego aos vidraceiros. Mas o que não se vê é que, em verdade, o que ocorre é apenas o redirecionamento do consumo de um setor para o outro, sem qualquer ganho em especial para a sociedade.


Além disso, para aquela família em especial, foi despendido o dobro de recursos com a produção de um único ganho – a janela – quando, na verdade, se não tivesse havido a destruição do bem, estes recursos poderiam ser alocados em bens e serviços que gerassem um acréscimo na qualidade de vida daquela família.


Na esfera econômica, quaisquer atos, hábitos, instituição ou lei não gera apenas um efeito, mas uma série de efeitos. E dentre todos esses efeitos, apenas o primeiro é que se manifesta de modo concomitante com a sua causa – por isso, é tão simples o vermos. Os demais efeitos vêm em sequência, de forma que não conseguimos vê-los – no máximo, em algumas ocasiões, conseguimos prevê-los.


Por isso, o que faz um bom economista é justamente levar em conta tanto os efeitos que vemos, como aqueles que não vemos, mas podemos prever como uma das consequências daquele ato. “Daí decorre que o Economista mau persegue um pequeno bem presente que será seguido por um grande mal futuro, enquanto o verdadeiro Economista persegue um grande bem futuro, com o risco de um pequeno mal presente.” – define o autor. E, não raramente, seja na economia, na higiene ou na moral, quanto mais doce é o primeiro fruto de um hábito, mais amargo são os outros.


Percebe-se, portanto, que, quando as coisas são inutilmente destruídas, a sociedade perde seu valor. Do mesmo modo, quando o Estado interfere na economia a fim de redirecionar o fluxo do dinheiro, sob os mais diferentes argumentos, não consegue, ao fim, modificar a soma de dinheiro em circulação, mas produz um resultado mais injusto do que no livre mercado, pois obriga os contribuintes a pagarem por algo que não desejam, privando-os dos recursos para comprar aquilo que desejam.


Então, por exemplo, se um vereador propõe uma lei que isenta de parquímetro (1) os veículos estacionados no raio de 100 metros das escolas públicas e privadas nos horários de entrada e saída dos alunos (PL nº 15/2022), (2) os idosos e as pessoas com deficiência, ainda que fora do local reservado às vagas especiais (PL nº 207/2021), (3) os feirantes, nos horários próximos às feiras (PL nº 42/2021), os servidores públicos do Poder Judiciário que realizam atividade externa (PL nº 265/2019), ele não está simplesmente desonerando o cidadão do pagamento de parquímetro. Pelo contrário: está onerando alguns contribuintes a maior, em prol da desoneração de alguns grupos ou classes específicas – o que pode ter sido, inclusive, fruto de lobby dessas mesmas classes.


Nesse sentido, já advertia o mesmo autor, Frédéric Bastiat, na obra “A lei”, que, infelizmente, observamos a corrupção completa da lei, que não se ateve às funções que lhe são próprias e passou a servir a interesses específicos de determinados grupos. A atividade legislativa passa a ser uma disputa entre os vários grupos de poder, o que torna impossível alcançar a estabilidade e afeta profundamente a prosperidade de um Estado.


Sempre que a lei ultrapassa o campo de defesa dos direitos básicos dos cidadãos (vida, liberdade e propriedade), ela se transforma em instrumento dos grupos dominantes contra os outros. E por isso mesmo há de se lembrar que a vontade do legislador nem sempre coincide com a vontade do povo, até porque o voto não é realmente universal – há uma grande parcela de pessoas excluídas do direito ao voto, ainda que este seja considerado “universal”.


Com base na Constituição, pude identificar os vícios nas respectivas leis. Mas foi somente com base nos conceitos que aprendi com Bastiat, que consegui enxergar como a ideia da lei como expressão da “vontade popular” é uma falácia.


A lei, a pretexto de oferecer organização, regulamentação, encorajamento ou proteção, tira de uns para dar para outros; a lei tira a riqueza de todos e distribui para alguns. Isso faz com que todos aspirem ao direito de voto e usem-no direcionados exclusivamente aos seus anseios, dado que todas as pessoas usam a lei em benefício próprio.


Talvez o legislador justifique (coisas que já ouvi, verdadeiramente): “não me importo de a lei ser inconstitucional, eu preciso pelo menos propô-la para agradar meu eleitorado”. Mas aí eu me pergunto: a que custo? Se tomarmos por base o orçamento da Câmara de Vitória no ano de 2020, dividido pelo número de projetos de lei propostos, temos um custo médio de 150 mil por projeto tramitado.


Como se não bastasse, se a inconstitucionalidade do projeto de lei não foi identificada ainda na fase de tramitação legislativa, ou seja, se esse projeto virou efetivamente uma lei, ainda temos todo um custo social para o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa lei: uma ação da procuradoria, da OAB ou de um dos legitimados, além da atuação do Ministério Público e o custo do Poder Judiciário para analisar a questão. Isso sem sequer falarmos do custo social de eventual adequação dos cidadãos àquela lei (não esqueçamos da lei do sal, que proibiu bares e restaurantes de exporem o sal em mesas e balcões, ou da lei que proibiu sacolas plásticas nos supermercados).


Ocorre que, tal como nos alerta Bastiat, o Estado não produz riquezas. Todo seu dinheiro vem dos tributos impostos aos contribuintes. Dessa forma, obrigam-se os contribuintes a pagar um funcionário público que não vale o dinheiro que recebe e priva esses mesmos contribuintes de pagar por serviços que desejam. Assim, o dinheiro e a circulação são os mesmos em ambos os casos, mas em um deles houve trabalho produtivo e, no outro, há um trabalho improdutivo.


Se um funcionário público gasta, para seu próprio benefício, uma quantia extra, isso implica no fato de que os contribuintes terão essa mesma quantia a menos para seu benefício. Entretanto, a despesa do oficial é vista, porque o ato é realizado, enquanto a do contribuinte não é vista, porque, (infelizmente!) ele é impedido de fazê-la.


Machado de Assis também dizia que o dinheiro não se perde, nem ganha; apenas troca de mãos. Ilustrando o fenômeno, Bastiat faz uma interessante analogia: “Você compara a nação, quiçá, a um trecho ressecado de terra, e o imposto a uma chuva fertilizante. Seja como for. Mas você também deveria se perguntar onde estão as fontes dessa chuva, e se não é o próprio imposto que retira a umidade do solo e a seca?”


Toda função pública, pois, para ser legitimamente custeada com o dinheiro dos cidadãos, deve ter provada sua utilidade. Não deve ser utilizada a comum justificativa dos benefícios que ela confere ao servidor, suas famílias e aos fornecedores de bens e serviços dessas famílias.


Ocorre que, se os economistas desaprovam o apoio governamental a qualquer tipo de atividade, entende-se que estão desaprovando a própria atividade. Assim, se pensam que o Estado não deve interferir em assuntos religiosos, são tachados de ateus. Hoje em dia o mesmo acontece com as minorias e muitas pautas populistas: se somos contra o financiamento público de medidas neste sentido, somos contra a própria questão. Por exemplo, se somos contra cotas raciais, automaticamente somos racistas.


Se um legislador ou mesmo, a procuradoria ou algum órgão técnico alerta sobre a eventual inconstitucionalidade de uma lei, o que muitas vezes ocorre por vício de competência (ou seja, aquele tema não pode ser tratado por aquela esfera legislativa), busca-se fazer crer que ele é contra determinado tema. E, como já dito acima, o problema das leis constitucionais é que elas parecem legais, em um primeiro momento.


É por isso que, a fim de evitar uma visão rasa e, até mesmo, de alcançarmos efeitos diametralmente opostos aos que buscamos a partir de determinada medida, é que temos de nos educar, para cada vez mais analisar as coisas não apenas pelo que é visto, mas acostumarmo-nos a julgá-las, também, pelo que não é visto.


Lívia Dalla, Associada III.

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