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Resenha do Livro "Fatos e falácias da economia"
Por Hugo Schneider Côgo – Associado II do Instituto Líderes do Amanhã.
Em Fatos e Falácias da Economia, Thomas Sowell defende que o domínio sobre os fatos em detrimento da prevalência de uma certa visão de mundo dissociada da realidade permite o desenvolvimento de melhores políticas públicas. A partir disso, o autor se propõe a testar empiricamente determinadas crenças econômicas que, se fossem bem compreendidas pelos agentes públicos e pela população, poderiam impactar positivamente a vida de milhões de pessoas.
Na obra, o autor destrincha o impacto dessas falácias, isto é, raciocínios falsos com aparência de verdade, em sete capítulos: (i) O poder das falácias, (ii) Fatos e falácias urbanos, (iii) Fatos e falácias masculinos e femininos, (iv) Fatos e falácias acadêmicos, (v) Fatos e falácias relacionados à renda, (vi) Fatos e falácias raciais e (vii) Fatos e falácias do Terceiro Mundo.
No primeiro capítulo, O poder das falácias, Thomas Sowell alerta para a resiliência das falácias, uma vez que, especialmente para autoridades eleitas, a admissão de que alguma política pública produziu resultados ruins porque estava fundamentada em dados ou crenças equivocados poderia custar a própria carreira.
Além disso, antes de partir para o enfrentamento, nos capítulos seguintes, das falácias mais específicas, o autor apresenta os quatro tipos de falácias econômicas mais comuns: (i) a falácia da soma zero, compreendida como a “falsa suposição de que transações econômicas são um processo (...) em que tudo que alguém ganha é perdido por outra pessoa”, o que se verifica na conclusão de algumas pessoas de que os “os ricos ficaram ricos à custa dos pobres”; (ii) a falácia da composição, isto é, a “crença de que o que é verdade sobre um parte é verdade sobre o todo”, como “quando, por exemplo, políticos ajudam algum grupo, setor, estado ou outro interesse especial e, no entanto, apresentam os benefícios como se fossem ganhos líquidos à sociedade”; (iii) a falácia das peças de xadrez, a qual considera que as pessoas não apresentarão comportamentos significativamente distintos daqueles esperados ou antecipados pelos planejamentos econômicos e sociais, mas ignora que “as pessoas não são objetos inanimados como peças de xadrez”; e (iv) a falácia do infindável, pela qual “muitas coisas desejáveis são defendidas sem levar em consideração o fato mais fundamental da economia, ou seja, que os recursos são inerentemente limitados e apresentam usos alternativos”.
No segundo capítulo, Fatos e falácias urbanos, Thomas Sowell busca descontruir diversas críticas não baseadas em evidências empíricas ao que se chama de “crescimento urbano” e às suas supostas implicações negativas. Apenas para ilustrar, o autor critica as concepções equivocadas de que (i) o “’excesso de população’ é a causa da pobreza, quando, na verdade, a pobreza é a causa da concentração de pessoas que não conseguem arcar com os custos do transporte ou de um espaço amplo para viver” e (ii) a “’habitação com preço acessível’” requer intervenção governamental no mercado, (...) para permitir que pessoas com renda moderada ou baixa consigam ter um lugar decente para morar sem pagar preços desastrosos por casas ou apartamentos”, mas ignora que “Foi exatamente a intervenção governamental em mercados imobiliários que fez com que a habitação tivesse um preço inviável”.
No terceiro capítulo, Fatos e falácias masculinos e femininos, o autor reconhece que “Na maioria das sociedades, durante a maior parte da história, as mulheres ganharam menos do que os homens”, porém demonstra que eventual discriminação de empregadores não é o fator mais relevante para a ocorrência dessa diferença, ao contrário daquilo que é comumente sustentado. De acordo com Thomas Sowell, essa disparidade é explicada em maior medida por “diferenças em educação, experiência de trabalho ou disponibilidade para trabalhar fora de casa”, que são significativamente impactadas pela maternidade e pela assimetria das responsabilidades domésticas. Com efeito, quando se comparam homens e mulheres solteiros, com experiências equivalentes, que nunca se casaram e já ultrapassaram a idade fértil, o autor observa que as diferenças praticamente desaparecem.
Em resumo, para Thomas Sowell, “A razão mais importante pela qual elas ganham menos do que os homens não é que recebam menos para fazer exatamente o mesmo trabalho, mas sim que são distribuídas de maneira diferente entre empregos, têm menos horas e menos continuidade no mercado de trabalho”. Ocorre que, como alerta ele, essas circunstâncias normalmente não são consideradas pelas estatísticas que comparam os rendimentos de homens e mulheres, que tendem a tratar homens e mulheres como grupos homogêneos.
No quarto capítulo, Fatos e falácias acadêmicos, Thomas Sowell tece uma contundente crítica ao ensino superior nos Estados Unidos da América. Em particular, o autor destaca que (i) “muitas das decisões econômicas e educacionais tomadas pelas faculdades e universidades parecem inexplicáveis como medidas que buscam atender aos interesses dos estudantes ou da própria instituição”, (ii) os “conflitos internos entre interesses pessoais e as finalidades gerais da instituição são reprimidos de maneira muito mais imediata numa empresa com fins lucrativos, em que a diferença entre lucro e perda é a diferença entre sobrevivência e extinção”, (iii) “organizações sem fins lucrativos, como faculdades e universidades, recebem muito dinheiro de pessoas cujos desejam não contam – não apenas contribuintes, mas também doadores mortes que contribuíram para a dotação da instituição ou em programas específicos acadêmicos” e (iv) “o amplo espectro da autonomia orçamentária por parte de instituições acadêmicas inclui mordomias por parte de professores que aumentam, direta ou indiretamente, os custos que os estudantes pagam, ou pioram a qualidade da sua educação”.
No quinto capítulo, Fatos e falácias relacionados à renda, o autor procura pôr em xeque análises distorcidas de dados estatísticos que objetivam corroborar uma suposta injustiça na distribuição de renda entre a população. Para tanto, Thomas Sowell evidencia que (i) “As comparações que utilizam dados sobre a renda domiciliar são indicadores muito menos confiáveis de padrões de vida do que os dados sobre renda individual, porque os domicílios variam em tamanho, enquanto um indivíduo sempre significa uma pessoa”, (ii) “os ganhos semanais daqueles que têm cargos de meio período empurram para baixo a média estatística de trabalhadores como um grupo, ainda que seu trabalho acrescente tanto para a produção nacional quanto para as rendas das suas famílias”, (iii) os índices de inflação utilizados para o exame da renda ao longo do tempo podem não refletir adequadamente o aumento ou a redução de preços para os indivíduos, (iv) as pessoas não permanecem estáticas nas diferentes camadas de renda, senão que mudam de níveis com o passar do tempo, para cima ou para baixo, mas aqueles que denunciam as disparidades econômicas propositalmente ignoram que “a maior parte das pessoas começa em empregos que pagam menos para aqueles que estão no nível iniciante, e depois se passa a ganhar mais à medida que se adquirem mais habilidades e experiência ao longo dos anos”, e (v) os altos salários dos executivos e presidentes de empresas está atrelado à relevância do resultado que tais pessoas conseguem entregar para as empresas, não se verificando qualquer relação entre um sentimento de “ganância” alegado por terceiros estranhos às empresas e a remuneração dos executivos.
No sexto capítulo, Fatos e falácias raciais, o autor refuta a crença praticamente incontestável de que “o racismo é a principal razão para existir diferenças entre negros e brancos em termos tanto de renda quanto de todos os aspectos da vida que dependem da renda”. Para o autor, “Diversos grupos no mundo todo são diferentes em tudo”, razão pela qual “as diferenças são a regra; os resultados econômicos ou sociais idênticos têm sido a exceção”.
Embora reconheça que “Em muitas sociedades, se não na maioria, houve discriminação entre grupos ao longo da maior parte da história”, Thomas Sowell faz a fundamental ressalva de que “esse não foi o único fator responsável pelas diferenças entre grupos” e que “os pesos relativos de diferentes fatores não permanecem iguais ao longo do tempo, então também é necessário considerar a sua história”. Não por outra razão, ele demonstra que “Talvez a maior falácia sobre a história de minorias raciais e étnicas seja que a passagem do tempo reduz a hostilidade e a discriminação que esses grupos enfrentam”, uma vez que a passagem do tempo não produz automaticamente nenhum resultado.
Da mesma forma como visto entre homens e mulheres, “a discriminação racial por empregadores explica relativamente pouco da diferença de renda que ainda é grande entre negros e brancos”. Nesse sentido, o autor argumenta que a variação de renda é muito pequena entre brancos e negros com a mesma idade, mesma proficiência em testes de raciocínio e jornadas de trabalho equivalentes.
O autor também rebate a argumentação corrente de que “empresas em bairros de gueto cobram preços mais altos ou oferecem bens e serviços de qualidade inferior e que bancos ou instituições financeiras discriminam negros que solicitam empréstimos”. Para ele, as diferenças dos custos de se fazer negócios em “bairros de gueto” e bairros de classe médica justificam as discrepâncias entre preços e qualidades de produtos e serviços, bem como não há dados empíricos que suportem a afirmação de que brancos e negros em condições comparáveis recebam tratamentos distintos por parte das instituições financeiras.
Por outro lado, Thomas Sowell reconhece que, para o empregador, o custo reduzido de estigmatizar grupos raciais inteiros em processos seletivos pode ser eventualmente mais vantajoso do que os eventuais benefícios decorrentes da investigação detalhada de cada candidato. Segundo ele,
“Da mesma maneira que custos criados por criminosos em bairros pobres são repassados para os residentes locais que não são criminosos, também os custos criados por trabalhadores menos produtivos ou que causam mais confusão, vindos de determinado grupo racial ou étnico, são repassados para outros trabalhadores dos mesmos grupos na forma de uma diminuição das oportunidades de emprego”.
Por fim, no sétimo capítulo, Fatos e falácias do Terceiro Mundo, o autor destaca que, a despeito dessa expressão, “sua população é a maior parte da humanidade, e existe um continuum na renda, da mais alta para a mais baixa, sem nenhuma ruptura entre a de algumas nações e a das outras”, e que também “não existe uma divisão racial” entre essas nações, uma vez que o “Terceiro Mundo” abriga “um número maior de brancos do que de negros”.
Nesse capítulo, Thomas Sowell ressalta que as transferências financeiras das nações mais ricas para as mais pobres, direta ou indiretamente, por meio de organismos internacionais, não ajudam efetivamente no desenvolvimento econômicos das nações beneficiadas, e que inexiste qualquer injustiça moral no subdesenvolvimento de determinadas nações, pois, “Considerando-se grandes diferenças quanto a geografia, demografia, história e cultura, é difícil imaginar como o oposto poderia acontecer”.
Como se vê, ao longo de toda a obra, o autor descontrói empiricamente argumentos correntes no meio político e entre a população, não raro suportados por interpretações enviesadas de dados estatísticos, que, se analisados objetiva e criticamente, podem conduzir a conclusões distintas ou até mesmo diametralmente opostas. E é precisamente aí que reside a maior contribuição de Fatos e Falácias da Economia: deixar claro para o leitor a importância de se colocar de lado quaisquer preconceitos sobre disparidades entre sexos, raças e nações para sempre indagar se uma determinada afirmação sobre diferenças entre esses grupos efetivamente corresponde à realidade.
Trata-se de uma mensagem poderosa em tempos de extrema polarização política e disseminação maciça de mensagens com conteúdo falso, inclusive por agentes públicos eleitos ou com o apoio deles, o que exige ainda mais esforço para o esclarecimento em torno da importância de se verificar a aderência de certas informações aos fatos. Afinal, as pessoas são normalmente suscetíveis a encampar ou refutar ostensivamente argumentos que vão ao/de encontro dos seus valores e que, exatamente por esse motivo, despertam reações mais passionais.
Portanto, vale o alerta de Thomas Sowell: “Talvez mais perigoso do que tudo seja a prática de não sujeitas crenças que estão na moda ao teste dos fatos, mas, em vez disso, aceitá-las ou rejeitá-las por se encaixarem bem em alguma visão de mundo existente”.