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Resenha - As Seis Lições
Resenha Crítica - Por Hugo Schneider, Associado III do Instituto Líderes do Amanhã
Em 1959, Ludwig von Mises participou como conferencista em evento realizado na Universidade de Buenos Aires a convite do Centro de Difusión de la Economia Libre. As palestras, ministradas naquela ocasião foram postumamente convertidas em As Seis Lições, por meio das quais se pode ter acesso à síntese do pensamento de Mises sobre o capitalismo (primeira lição), o socialismo (segunda lição), o intervencionismo (terceira lição), a inflação (quarta lição), o investimento externo (quinta lição) e a política e os ideais (sexta lição).
Na primeira lição, Mises remonta ao momento do surgimento do capitalismo e aos primeiros passos do seu desenvolvimento na Inglaterra para evidenciar que a acumulação de capital é o fator determinante que possibilita aos empresários investir na expansão de suas atividades e, consequentemente, beneficiar empregados (com melhores salários) e desempregados (com a criação de novas oportunidades de trabalho).
Para Mises, o aumento do capital investido por indivíduo (per capita) é imprescindível para a criação das condições necessárias que permitirão a um país se tornar mais próspero, pois esse acúmulo de capital conduzirá à diversificação e ao incremento da atividade econômica. Consequentemente, a população empregada crescerá, auferirá salários maiores e, assim, gozará de uma melhor qualidade de vida.
Na segunda lição, Mises refuta o socialismo em função da ausência de liberdade dos indivíduos para se organizarem economicamente, uma vez que, sob esse sistema, as pessoas não podem decidir livremente que tipo de papel desempenharão na sociedade. Diferente do que se verifica sob o capitalismo, em que o consumidor figura como a principal referência na tomada das decisões empresariais, no sistema socialista o governo controla praticamente todos os aspectos da vida dos cidadãos. Para provar que o sistema socialista já havia fracassado à época, Mises argumenta que não se verificou na União Soviética uma melhoria nas condições de vida comparável àquela observada nos Estados Unidos da América no mesmo período, por exemplo.
Na terceira lição, Mises postula que a função primeira e última de um governo em um sistema livre é defender a população contra a violência perpetrada por agressores internos e externos. Não obstante, a realidade revela que os governos não ficam circunscritos a esse papel, pois também figuram como proprietários e gestores de empresas. Como resultado dessa intromissão estatal, Mises aponta que os governos também precisam se submeter à supremacia do mercado.
Ocorre que, como denuncia Mises, o governo pode ir além e interferir diretamente no mercado quando, por exemplo, institui controle de preços. Nesse caso, Mises explica que a interferência isolada no controle de preços de determinado setor econômico tende a produzir um efeito cascata que conduzirá à necessidade de o governo interferir em outros preços para combater os efeitos negativos (escassez e inflação, principalmente) da interferência anterior, e ainda favorece a formação de cartéis.
Na quarta lição, Mises critica contundentemente governos que utilizam a inflação como instrumento político, já que o aumento de preços atinge grupos empresariais e populacionais diferentes de maneiras diferentes e, dessa maneira, deixa exposta a parcela mais vulnerável da população.
Mises argumenta que a causa da inflação não repousa em como o dinheiro é gasto pelo governo, mas como é obtido. Assim, se um governo deseja realizar obras públicas dispendiosas, é mais desejável aumentar tributos do que emitir papel-moeda sem lastro. Além disso, Mises contesta a pressão dos sindicatos pela concessão de salários em patamar superior àquele que seria obtido em um mercado desobstruído, o que, em última instância, gera desemprego e pode levar os governos a desvalorizarem a própria moeda para restabelecer os padrões salariais reais e estimular novas contratações.
Como solução para esses problemas, Mises defende de maneira intransigente um mercado sem manipulações por parte dos sindicados e dos governos, pois, para ele, somente assim se pode alcançar o pleno emprego.
Na quinta lição, Mises afirma que a razão da diferença de desenvolvimento entre os países é o montante de capital investido per capita, que é maior nas nações desenvolvidas do que naquelas em desenvolvimento, de modo que o investimento externo se revela um fator extremamente importante para estas iniciarem o seu desenvolvimento.
Por esse motivo, Mises demonstra que as medidas protecionistas que impedem ou dificultam a entrada do capital estrangeiro não contribuem para o desenvolvimento econômico dos países. Pelo contrário, para se melhorar o padrão de vida da população, Mises defende que se deve facilitar a entrada desse capital, que, uma vez investido, provoca um aumento de salários onde a mão-de-obra é abundante e barata.
Finalmente, na sexta e última lição, Mises evidencia que a “deterioração da liberdade, do governo constitucional e das instituições representativas” é o resultado do intervencionismo governamental no mercado econômico, que invariavelmente está relacionado à concessão de privilégios para determinados segmentos específicos.
Isso porque, como explica Mises, os partidos políticos, que originalmente eram grupos de pessoas com ideais semelhantes acerca dos mesmos temas, são paulatinamente transformados em grupos de pressão, que priorizam os interesses de determinados setores da economia nas casas legislativas em detrimento das prioridades da nação.
Apresentada uma síntese das seis lições, percebe-se que Mises procurou demonstrar que esses diferentes temas convergem todos para o mesmo ponto, qual seja a afirmação da liberdade econômica como condição imprescindível para a melhoria das condições gerais de vida da população.
As reiteradas críticas ao socialismo e aos sindicatos justificam-se pelo contexto da época, visto que, em 1959, a tensão geopolítica entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas caminhava para o seu auge.
Na disputa sobre qual modelo econômico e político está mais apto a elevar o padrão de vida da população, Mises claramente busca convencer a sua plateia a abraçar o capitalismo e a repudiar o socialismo e o sindicalismo. Com efeito, Mises mostra-se investido em “combater as más ideias” e a espalhar o que ele chama de “boas ideais” até que as pessoas “se convençam de que essas ideias são as corretas, e saibam quais são as errôneas”.
No cerne da argumentação de Mises, encontra-se a defesa inflexível da liberdade das pessoas de escolherem livremente o trabalho que lhes convir e do empresário para investir o seu capital, dentro e fora das fronteiras do seu país, dado que, para Mises, isso necessariamente implicará o aumento da demanda por mão de obra e, por extensão, dos salários e do padrão de vida da população.
Em que pese mais de seis décadas tenham se passado desde a série de palestras que culminou na obra As Seis Lições, a tese de Mises continua atualíssima, haja vista especialmente o avanço no Brasil das propostas políticas que advogam a ingerência estatal sobre a economia.
Nesse sentido, basta-se conferir as "Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil Lula Alckmin 2023-2026", que detalham a orientação principiológica do grupo político vencedor da eleição presidencial em 2022.
Apenas para ilustrar, esse documento afirma:
ser “necessário proteger o patrimônio do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental do país”;
forte oposição a qualquer processo de privatização;
o fortalecimento dos bancos públicos “em sua missão de fomento ao desenvolvimento econômico, social e ambiental e na oferta de crédito a longo prazo e garantias em projetos estruturantes”; e
o protagonismo do Governo Federal como líder e indutor da “construção de novas capacidades da estrutura produtiva nacional na fronteira do conhecimento e gerando tecnologia e inovação em conjunto com a sociedade brasileira”.
Como se vê, as "Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil Lula Alckmin 2023-2026" vão frontalmente de encontro às ideias de Mises sintetizadas em As Seis Lições. Enquanto Mises defende inflexivelmente o livre mercado como a via de excelência para a maximização da liberdade individual e, em última instância, da qualidade de vida da população, a proposta política vencedora para o Poder Executivo reclama para o Estado o papel de conduzir a atividade econômica.
Como visto, Mises demonstrou de maneira contundente que, no longo prazo, o intervencionismo estatal não produz resultados sociais e econômicos melhores do que quando se verifica a prevalência da liberdade individual para empreender, em detrimento da atuação do Estado como agente indutor da economia.
Diante disso, As Seis Lições contribui de maneira fundamental para nos alertar que as propostas do grupo político do atual Chefe do Poder Executivo devem ser amplamente expostas e debatidas sob o máximo escrutínio, para se mitigar tanto quanto possível os efeitos negativos de quaisquer medidas demagógicas.

Hugo Schneider, Associado III.