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Resenha - As seis lições
Resenha Crítica - Por Brigida Passamani, Associada Trainee do Instituto Líderes do Amanhã
Imagine estar num cômodo absolutamente escuro e cheio de obstáculos. Seu objetivo principal é chegar à porta de saída ileso, com seus bens e principais pertences, conquistados arduamente ao longo da sua jornada. Imagine, também, que as dificuldades aumentam à medida que você se aproxima da porta e que todas elas são artificialmente criadas por pessoas que não sofrerão as consequências da escuridão como você. Se torna inevitável pensar, no meio desse percurso: “tudo seria mais fácil se houvesse luz”.
Para levar tais “luzes”, em 1º de julho de 1959, Ludwig von Mises aterrissa em solo argentino a convite do economista liberal Alberto Benegas Lynch para proferir um ciclo de exposições destinadas à comunidade acadêmica da Universidade de Buenos Aires, expectadora do desastre econômico deixado pelo segundo mandato de Juan Domingo Perón (1952 a 1955). As seis lições é resultado da transcrição e editoração das seis conferências realizadas por Mises, naquela semana. Cada uma das seis exposições deu origem aos capítulos respectivamente intitulados: O Capitalismo, O Socialismo, O Intervencionismo, A Inflação, O Investimento e Políticas e Ideias.
A linguagem acessível e objetiva, as reflexões históricas pontuadas ao lado dos conceitos econômicos mais complexos, os exemplos próximos da realidade do leitor, bem como a perspicácia com a qual são desenvolvidos argumentos e contra-argumentos, os quais orbitam a defesa da liberdade individual, da economia de mercado e do intervencionismo estatal como um mal a ser repelido, permitem com que a obra possa ser facilmente reconhecida como o preâmbulo do pensamento político, econômico e social do liberalismo de Mises.
O capítulo O Capitalismo dedica-se a demonstrar como, no modelo atual de desenvolvimento do mercado, os consumidores são os verdadeiros destinatários dos esforços da produção. A partir desse pano de fundo, são desenvolvidas questões concernentes (i) à produção em massa, (ii) à dependência do mercado à clientela, (iii) ao princípio básico modelo capitalista, (iv) à ausência de real distinção, na teoria econômica, de empregado e empregador, (v) aos bons frutos da acumulação de capital e (vi) ao modelo da política salarial de Henry Ford.
O autor buscou explanar, ainda, a origem da aversão ao modelo capitalista atual, a despeito dos benefícios colhidos a partir da elevação substancial dos padrões de vida, circunstância que o levou à constatação de que tamanha objeção nasceu e cresceu através da aristocracia fundiária europeia e inglesa do século XVIII, deixando clara ao leitor a importância da documentação histórica dos fatos e contextos que precedem os fenômenos do mercado e da sociedade como um todo.
No capítulo O Socialismo, por sua vez, Mises constrói a ideia de que as liberdades civis estão umbilicalmente conectadas à liberdade econômica, razão pela qual modelos de Estados que visam intervir na economia visam, ao fim e a cabo, intervir na própria esfera individual de seus cidadãos, com o fim de promover o controle e a ingerência nos aspectos mais privados de suas vidas (onde morar, o que consumir, qual profissão desempenhar, o que produzir, quanto cobrar, etc.). Nesse ponto, Mises afirma dever o modo de interação desejado entre os indivíduos ser pautado por relações recíprocas de concessões mútuas, não compulsórias ou artificialmente implementadas pelo Estado.
São desenvolvidas, ainda, noções sobre (i) o cálculo econômico como planejamento, (ii) sua aderência ao estabelecimento de um sistema livre de preços e (iii) a circunstância dessa política de preços ser unicamente ofertada pelo mercado, a partir das variáveis envolvidas nos fatores de produção.
No capítulo seguinte, denominado O Intervencionismo, é estabelecida a ideia central de que o Estado possui dois grandes privilégios em matéria econômica: cometer erros, em primeiro lugar, e desincumbir-se deles, em segundo, ao não absorver suas consequências negativas, transferindo-as aos cidadãos sob sua tutela (e controle) através da tributação ou da política inflacionária. Intervencionismo, nesse espeque, é compreendido como qualquer interferência do Estado no mercado, extrapolando suas atribuições de preservação da ordem e promoção de segurança.
São exemplos de medidas intervencionistas aquelas que promovem o tabelamento de preços (em situações de calamidade ou não), que fixam pisos salariais, ampliam ou reduzem a taxa de juros e margeiam os lucros do setor privado. Resultado desse tipo de agir estatal é a desestruturação da lei da oferta e da demanda, gerando cenários de racionamento e privilégios no acesso de bens e serviços.
A quarta lição é dada pelo capítulo A Inflação, cujos aportes técnicos são densificados, seja pela natureza própria deste fenômeno econômico, seja pelas repercussões financeiras geradas a partir de sua verificação. Contudo, o leitor não deve se preocupar com sua capacidade de compreensão dos conceitos trabalhados por Mises, já que o autor se preocupa, a todo momento, em traduzir para linguagem comum, ilustrada de exemplos cotidianos, como é formulada uma política inflacionária pelo Governo, como ela é sentida nos mais corriqueiros aspectos da vida da população e como ela poderia ser combatida e evitada.
Dito isso, mesmo para os passageiros de primeira viagem, restarão claras as repercussões da inflação, notadamente, a redução do poder de compra da unidade monetária (real, dólar, euro, etc.) e a correspondente elevação dos preços, à medida que se perpetua o mecanismo inflacionário. Dessa forma, é importante notar que a mensagem essencialmente deixada por Mises neste capítulo cinge-se ao fato de que a elevação dos preços não será a causa da inflação, mas a sua consequência.
Causa da inflação será o modo como as receitas públicas serão operacionalizadas, não pelo aumento da política arrecadatória tributária ou pela tomada de empréstimos por parte do Estado com detentores de capital (políticas que desagradam a massa eleitoreira), mas pela impressão ilimitada da moeda. Tais colocações permitem que o autor afirme ser o Governo, e ninguém mais, o responsável pelo estabelecimento da inflação, ainda que exista no ambiente privado quem a explore e se beneficie, momentaneamente.
A cadência da obra deságua na quinta lição, responsável por elucidar os aspectos positivos do fenômeno que dá nome ao capítulo, O Investimento Estrangeiro. Problemáticas relacionadas à balança comercial de um país são enfrentadas pelo autor com o fim de demonstrar ser o capital internacional permissivo à aquisição de melhores ferramentas para a ampliação da capacidade de produção de bens (de consumo, duráveis, não duráveis) e serviços, à elevação da acumulação de capital interno e à elevação dos padrões de desenvolvimento tecnológico. Motivos suficientes para se constatar que a prosperidade de países em desenvolvimento encontra-se diretamente atrelada à angariação de capital.
No último capítulo, o leitor encontrará lições acerca de Política e Ideais. O otimismo de Mises torna-se evidente em suas palavras, mesmo enquanto aponta as distorções pelas quais percorreram os partidos políticos, transformando-se em “grupos de pressões” e coalizões destinados, não a representar os interesses de toda a nação, mas dos específicos eleitores responsáveis pela margem de votos, cujas intenções são as de obter privilégios à custa dos demais.
Com a apresentação dos aspectos históricos que levaram o Império Romano à ruína, o economista austríaco encontra na ausência de compreensão do fenômeno econômico a escusa para tamanho desastre, visto inexistir, à época, ciência e inteligência formulada para intelecção de um modo de fazer política equivocado, benesse esta que os estadistas atuais não poderiam aproveitar. A ampliação do pensamento econômico, do ponto de vista científico, e a difusão das ideias liberais são, para Mises, imperativos da esperança depositada na visão daquela que seria a melhor vida possível para os indivíduos, a um passo, sempre, de ser conquistada ou desperdiçada, pelas boas ou más escolhas, ideias e teorias.
Das lições de Mises, para a ocasião, destaca-se: não há nada que faça o Estado que não vise, em alguma medida, a restrição da liberdade individual. Não se pode dizer, nesse sentido, existir uma “meia liberdade”. As ingerências do Estado acionam inevitavelmente uma cadeia de ações que deságuam no controle grande parte dos aspectos da vida dos cidadãos, como o que se pode pensar, falar e para onde se pode ir.
Exemplos como o da experiência argentina, que levou Mises à Universidade de Buenos Aires, contudo, não devem ser fonte de exasperação. De volta ao cômodo escuro que deu origem à resenha, onde se encontravam os argentinos de outrora, possivelmente os brasileiros do presente, a preocupação de Mises foi a de, precisamente, acender as luzes que levariam os indivíduos à prosperidade, à liberdade e ao fim exitoso do desafio de viver sob as rédeas de um Estado intervencionista. Não por outra razão é sua a frase (e a confiança) de que “ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão”.

Brigida Passamani, Associada Trainee.