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De palavrões a soluções: como a Janela de Overton explica a mudança de ideias na política
Artigo de Opinião por Luan Sperandio, Associado III do Instituto Líderes do Amanhã
A teoria da Janela de Overton, desenvolvida pelo analista político Joseph P. Overton, descreve o espectro de ideias políticas aceitáveis em uma sociedade em determinado momento. Essa janela representa o espaço no qual as políticas podem ser discutidas e implementadas sem enfrentar uma resistência significativa por parte da opinião pública, mídia e políticos. Com o passar do tempo, a Janela de Overton pode se mover, permitindo que ideias anteriormente impensáveis se tornem desejáveis e, finalmente, realidades políticas.
A classificação da viabilidade política das ideias é dividida entre impensável, radical, aceitável, sensato, popular e político, sendo esta última o último estágio para ser viabilizada.
No contexto brasileiro, ao longo das décadas, diversas ideias políticas passaram por mudanças significativas dentro da Janela de Overton. Um exemplo notável é a questão das privatizações de estatais. Nas eleições de 2006, o tema era tratado como um verdadeiro tabu e usado como arma de ataque entre candidatos. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusava seu oponente Geraldo Alckmin de querer vender o patrimônio nacional ao capital estrangeiro.
Contudo, ao longo do tempo, com o aumento das demandas por eficiência e redução de gastos públicos, a discussão sobre privatizações ganhou espaço no debate público. A crise econômica e fiscal que o Brasil enfrentou nas décadas seguintes tornou a ideia mais palatável para a população, que buscava alternativas para reverter a situação. Dessa forma, as privatizações deixaram de ser impensáveis e passaram a ser desejáveis em certos casos de estatais. Entre os exemplos, está a Capitalização da Eletrobras em 2022.
Pesquisa do Datafolha de 2023 revelou que 38% dos brasileiros são a favor da privatização de empresas e serviços públicos no Brasil, e que a venda de ativos estatais é maior entre os mais jovens e mais escolarizados.
Outro exemplo notável é a reforma da previdência. A ideia de estabelecer uma idade mínima para aposentadoria era defendida por alguns técnicos do Ministério da Fazenda já em 1984. Contudo, somente em 1998, no governo FHC, essa proposta foi colocada em prática, mas acabou sendo derrotada por um voto. Nos governos seguintes, a discussão foi postergada, até que no governo Temer houve uma nova tentativa, ainda sem sucesso.
Somente em 2019, durante o governo Bolsonaro, a reforma da previdência finalmente foi aprovada. A pressão crescente das despesas previdenciárias e a necessidade de equilibrar as contas públicas fizeram com que a ideia de uma reforma se tornasse cada vez mais aceitável e urgente, permitindo que finalmente fosse implementada.
Além disso, outro exemplo de uma ideia que permaneceu por muito tempo fora da Janela de Overton é a legalização de jogos de azar, incluindo cassinos. Desde o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1949, os cassinos foram proibidos no Brasil. Embora diversas propostas tenham sido apresentadas ao longo dos anos, a proibição se manteve até o governo Temer, em 2018. Nesse momento, houve uma abertura para a legalização parcial, permitindo sites de apostas, mas ainda sem a devida regulamentação. Em 2023, apesar da evolução nesse sentido, a legalização completa de jogos de azar ainda não avançou, permanecendo parte da discussão política.
Em todos esses exemplos, a mudança na Janela de Overton ocorreu por meio de fatores como a necessidade de solucionar crises econômicas, a busca por eficiência do Estado e o aumento da conscientização sobre a importância de reformas estruturais. À medida que essas questões se tornam mais prementes para a sociedade, ideias antes impensáveis ganham espaço no debate público e se tornam desejáveis para a busca de soluções concretas.
Em conclusão, a Janela de Overton é uma ferramenta valiosa para compreender a evolução das ideias políticas no Brasil ao longo do tempo. À medida que a sociedade enfrenta novos desafios e necessidades, ideias antes inimagináveis podem se tornar desejáveis e, eventualmente, se concretizarem em políticas públicas. A compreensão dessa dinâmica é essencial para a análise e construção de soluções políticas efetivas e alinhadas com as demandas da sociedade.

Luan Sperandio, Associado III.