- Líderes
Cortem-lhe a cabeça
Artigo de Opinião por André Paris, Associado II do Instituto Líderes do Amanhã
“Alice no País das Maravilhas" foi escrito há mais de 150 anos por Lewis Carroll. É curioso perceber o quanto seu conteúdo segue relevante e ainda é capaz de promover reflexões atuais. Em um primeiro momento o pensamento que vou compartilhar pode causar estranheza (e poderia ser diferente no “País das Maravilhas”?), mas uma das reflexões trazidas no clássico britânico é justamente sobre a importância da liberdade individual e as consequências de políticas governamentais traçadas para sufocá-la, como, por exemplo, por meio de políticas tributárias.
Ao longo da obra, Alice busca autonomia para seguir seu próprio caminho, em vez de seguir as regras impostas por terceiros. Outra figura, esta real, que, mais de 60 anos antes do lançamento da obra de Carroll, também procurou e lutou por sua liberdade de escolha foi Tiradentes.
Dentre as principais motivações dos inconfidentes estavam a libertação do domínio português e a insatisfação com a prática da “Derrama”, o rateio entre todos os moradores da capitania de Minas Gerais, mineradores ou não, de valores que supostamente teriam deixado de ser destinados à Coroa Portuguesa à título de impostos devidos sobre a atividade de mineração.
Ainda no âmbito nacional, a Revolução Farroupilha de 1835 foi, igualmente, motivada pelo aumento dos tributos cobrados sobre produtos como o charque e o sal. Do mesmo modo, uma das razões que motivaram a Revolução Americana de 1776 (quase 100 anos antes do clássico britânico), foi o estabelecimento da Lei do Selo pela Coroa Britânica em desfavor das Treze Colônias.
A citada lei, aplicada em conjunto com outras medidas economicamente restritivas impostas pela Grã-Bretanha às suas colônias após a Guerra dos Sete Anos, impôs um novo imposto sobre selos, jornais, documentos legais e outros documentos.
Igualmente, a assinatura da Carta Magna na terra de Carroll, em 1215, e a deflagração da Revolução Francesa, em 1789, possuíram, como um dos fatores que as proporcionaram, o aumento da carga tributária por parte dos respectivos governantes.
Portanto, não é difícil perceber que a apropriação compulsória da propriedade privada pelo Estado (cobrança de impostos) foi uma importante motivação entre algumas das mais relevantes iniciativas insurgentes ao longo da história nacional e mundial.
No entanto, parece que as ideias de liberdade, que serviram de combustível a tantos movimentos, não prosperaram nos territórios em que foram regadas com o sangue desses insurgentes.
A execução de Tiradentes poderia muito bem ter sido determinada pela Rainha de Copas, personagem fictícia de Carroll que, no capítulo oito de sua obra, frustrada com sua incapacidade de provar a culpa de Alice, ordena: "Cortem-lhe a cabeça!".
Hoje a apropriação de riquezas, fruto de esforços individuais, ainda é realizada por nossos governantes. Caso um indivíduo se aproprie de forma compulsória da riqueza alheia, ele é encarcerado e perde sua liberdade. Se o Estado o faz, ele o faz sob a proteção de leis (elaboradas por ele mesmo).
Se as leis deveriam refletir a moral de determinada sociedade, até quando a apropriação de riqueza alheia por governantes (há muito percebida como um ato imoral, conforme os citados exemplos históricos) fará parte do nosso futuro?
Além de reduzir o poder de compra do indivíduo, políticas tributárias limitam a liberdade individual e não somente importam na apropriação de suas riquezas, mas também, indiretamente, privam o indivíduo do seu recurso mais escasso, o tempo. Isso porque, em estudo divulgado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o trabalhador brasileiro, em média, deve trabalhar 149 dias ao ano, apenas para ser remunerado o suficiente para arcar com os tributos a ele impostos.
Uma última reflexão pode ser retirada a partir de uma das sequências mais famosas da obra de Lewis Carroll, a qual se inicia quando Alice indaga o Gato qual caminho deveria seguir:
“— Você poderia me dizer, por favor, para qual lado devo seguir?
— Isso depende bastante de onde você quer chegar — respondeu o Gato.
— O lugar não me importa... — disse ela.
— Então também não importa para qual lado você vai — afirmou o Gato.”
É provável que o autor britânico tenha lido sobre o filósofo estoico, Sêneca, quem certa vez disse que “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.”. Assim como Alice, para atingir o futuro que esperamos, temos que saber qual caminho seguir: um caminho em que a liberdade prospere ou no qual as “Rainhas de Copas” sigam se multiplicando?

André Paris, Associado II.