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“Cidades de 15 minutos”: futuro ou falácia?
Artigo de Opinião - Por Juliana Bravo, Associada II do Instituto Líderes do Amanhã.
Alguns dos maiores atrativos das grandes metrópoles são a quantidade de atividades para se fazer, a variedade de estabelecimentos comerciais e os inúmeros postos de trabalhos que elas oferecem. Apesar do trânsito, do barulho, da poluição, dos crimes e da própria disfunção urbana, os grandes centros alcançam uma prosperidade econômica que comunidades menores e isoladas muitas vezes não oferecem. É curioso, então, que nessas mesmas metrópoles existam cada vez mais comunidades e condomínios fechados que ofereçam serviços para que seus moradores não precisem de lá sair.
De uns anos para cá, muito se tem ouvido sobre a criação de pequenas unidades urbanas autossustentáveis, em que o residente encontre tudo o que precisa bem próximo de sua casa. Sobre o assunto, o parlamento escocês recentemente aprovou uma nova estrutura de planejamento nacional que prioriza a criação dos chamados "bairros de 20 minutos", onde os moradores podem acessar supermercados, hospitais, empregos e até hortas em até 20 minutos de caminhada ou bicicleta. A ideia é a de encorajar empresas a desenvolverem suas atividades fora dos grandes centros e, de quebra, reduzir a utilização de carros, contribuindo para um estilo de vida considerado ambientalmente mais sustentável.
Entretanto, o conceito desse tipo de comunidade não é novo. No século XIX, Patrick Geddes defendeu uma espécie de “Eutopia”, planejamento de vilas e cidades que se baseavam em um ambiente mais comunal que, de tabela, economizasse energia das pessoas. Em 2016, o cientista Carlos Moreno já sustentava a criação de aldeias urbanas que oferecessem todos os tipos de serviços num raio de poucos quarteirões. Moreno, inclusive, participou de um famoso TED Talk, em 2020, em que explicou toda a ideia.
Há algumas questões, contudo, que permeiam grande parte dos debates atuais acerca da criação dessas “cidades de 15/20 minutos”; uma delas é o discurso politicamente correto utilizado como escada moral para que políticos ganhem a simpatia de ativistas. Shaun Donavan, ex-secretário de Obama que se candidatou – e perdeu - à prefeitura de Nova York, em 2021, foi um dos que levantou a bandeira green, aproveitando-se dessa ideia. O mesmo aconteceu com Anne Hidalgo, na campanha de reeleição à prefeitura de Paris. Há algo interessante sobre Paris, porém, que merece ser observado. Conforme analisou o pesquisador da Universidade de Nova York, Alain Bertaud, grande parte dos parisienses já acessa rapidamente uma enorme gama de serviços e empregos sem a necessidade da intervenção do governo no planejamento urbano. Isso é possível graças aos mecanismos de mercado, pois, sem regras rígidas de zoneamento que impeçam estabelecimentos comerciais de se instalarem próximos a áreas residenciais, caso o gosto dos parisienses, por exemplo, não for mais por croissants, mas por comidas low carb, o mercado se ajusta para que padarias se transformem em lojas de produtos saudáveis sem que isso impacte no redesenho da cidade.
As cidades são grandes mercados de trabalho, cuja principal função é conectar pessoas com determinadas habilidades a empregadores com determinadas demandas. Quando essa combinação entre capital e trabalho acontece na escala de um bairro de forma orgânica, não haveria necessidade de grandes metrópoles. Pelo menos é o que defende Bertaud. Contudo, o cientista afirma que o planejamento artificial de conglomerados ao estilo “15 minutos de distância” nas metrópoles está fadado ao fracasso, uma vez que morar perto de um complexo de empresas por si só não garantiria que determinado indivíduo conseguisse um emprego lá. Sem contar que, caso ele perca o emprego, a mudança de habitação para outro complexo poderia não ser desejada.
Embora a essência de pequenos bairros/distritos dentro de grandes cidades seja boa, se vierem acompanhados de regulamentações demais (tanto em relação ao tipo de comércio permitido, quanto a regras estéticas) acabam criando escassez em vez de abundância, obrigando as pessoas a continuarem se deslocando muito e frustrando diretamente qualquer plano de redução de emissões de carbono.
A verdade é que há um desmedido paternalismo do Estado quanto à ideia de regulamentar minuciosamente esse tipo de projeto. É como se o governo sentisse que pode organizar cada aspecto da vida do indivíduo, esquecendo-se que a distância que uma pessoa percorre todos os dias para chegar ao trabalho é um tradeoff que abarca suas opções de emprego, os preços de habitação, a qualidade das escolas e todas as demais escolhas individuais que compõem sua vida. É por isso, caro leitor, que antes de abraçarmos aparentes boas ideias é importante que façamos uma análise mais precisa sobre suas motivações e, principalmente, sobre seus impactos de longo prazo. Quanto às “cidades de 15 minutos”, se o planejamento ficar na mão de tecnocratas desqualificados, é possível que elas só tenham mesmo 15 minutos, de fama.

Juliana Bravo, Associada II.