- Líderes
4 problemas da intervenção do Estado nos contratos
Artigo de Opinião - Por Luan Sperandio, Associado III do Instituto Líderes do Amanhã
A liberdade contratual é a regra em uma Economia de Mercado, com o protagonismo dos agentes econômicos. Contudo, há um razoável consenso por parte da literatura econômica de que a intervenção do Estado pode ser necessária nas relações contratuais em alguns casos específicos.
Entre elas, está a necessidade de dissuadir fraudes, combater a formação de desequilíbrios contratuais relevantes que criem obrigações econômicas desproporcionais entre as partes, bem como combater assimetrias de informação e externalidades negativas. Vale ressaltar, porém, que pode haver problemas na intervenção estatal nos contratos.
O primeiro problema da intervenção do Judiciário nos contratos é o chamado risco moral. As partes protegidas pelo Estado, as denominadas hipossuficientes, tendem em longo prazo a perder a noção de Responsabilidade Individual ao assinar um contrato, pois em caso de algum problema, há a possibilidade de, a partir de ação judicial, tornar determinadas cláusulas nulas ou reescrever os termos inicialmente acordados. Nesse sentido, o contrato passa a não valer mais tanto assim.
A segunda adversidade criada ao interferir em contratos privados é o chamado paternalismo judicial. Afinal, cria-se uma jurisprudência protetiva que exacerba o risco moral já referido, tornando os litígios contratuais uma espécie de novela, em que é decidido pelo magistrado quem é o mocinho e quem é o bandido. A despeito dos problemas, a postura antirregulatória sobre contratos também pode ser um problema, pois juízes que discordam do dirigismo contratual podem acabar por ignorar problemas contratuais sérios, como fraudes e estelionatos.
Uma terceira complicação é a criação de incentivos à litigiosidade. Considerando que o contrato pode ser reescrito, por que uma parte deveria cumprir voluntariamente um acordo quando pode ir a juízo e se livrar da obrigação assumida? Especialmente quando a fundamentação jurídica pode se dar diante das mais variadas e abstratas alegações, como abusividade da cláusula ou descumprimento da função social do contrato.
Entre os casos jurídicos comuns, está a escolha de um plano de saúde com menor cobertura e mais barato, mas diante da necessidade, ajuizar ações contra a operadora do plano a fim de obrigá-la a fornecer algo que expressamente não foi contratado inicialmente. É o que juristas denominam de jurisprudência sentimental.
Por fim, há a criação de um ciclo vicioso intervencionista. O excesso de dirigismo gera problemas contratuais que acabam gerando mais intervenção. Não é à toa que os setores de mercado que mais abarrotam o Judiciário com litígios contratuais são aqueles mais regulados, como o financeiro, o de telecomunicações, o de seguros e o mercado de saúde suplementar. São contratos de segmentos econômicos fortemente dirigidos por normas infralegais das respectivas autoridades regulatórias.
O ordenamento jurídico civilista, com cláusulas abertas e subjetivas, como a função social do contrato e o princípio da boa-fé contratual deram um verdadeiro cheque em branco nas mãos de juízes a fim de intervir nas relações contratuais. As interferências que deveriam ser tratadas como exceção passaram a ser a regra, com eventualmente remédios judiciais, que causam dores e problemas maiores do que o diagnóstico original.
Alterar os dispositivos intervencionistas do Código Civil, de modo a restringir a discricionariedade do Judiciário, seria bem-vindo para a Economia de Mercado no Brasil.

Luan Sperandio, Associado III.